terça-feira, 31 de março de 2009

Fernanda Zaffari mostra bistrô favorito de Faraco

O programa Estilo Próprio de ontem foi ao Bistrô do Pátio, na Tristeza, Zona Sul da capital, onde Sergio Faraco é cliente assíduo e pede quase sempre o mesmo prato: risotto ai gamberi. "Na porção bimbo, que é a reduzida", contou Angélica Faraco, a proprietária e filha do escritor, que teve sua formação gastronômica na Itália e inaugurou a deliciosa casa em Porto Alegre depois de comandar um restaurante em Milão.
As reprises do programa serão exibidas durante esta semana na TV Com: hoje, às 17:30hs, amanhã, às 15:30hs; quinta-feira, às 10:15hs e sábado, às 16:30hs.
Bistrô do Pátio
Endereço: Avenida Wenceslau Escobar 2933, Tristeza
Fone: (51) 3264.0190

quinta-feira, 26 de março de 2009

A cor da vaca

Leia crônica de Sergio Faraco, A cor da vaca, na revista Globo rural deste mês:
Quando estive na Academia Brasileira de Letras, em 1999, para receber um prêmio, fui apresentado a uma pessoa que sempre admirei, o economista Celso Furtado. Ele me disse que lera o livro premiado, Dançar tango em Porto Alegre, e até votara nele, mas que para fruir a primeira parte, a dos contos fronteiriços, era preciso ter à mão um compêndio de termos regionais. Ocorrendo-me no ato que para ler Jorge Amado, Guimarães Rosa, José Lins do Rego ou Mário Palmério, ninguém reclamava dicionário, deixei escapar uma destemperada réplica: “Para ler as outras partes o Aurelião lhe basta”. Chocado, ele pediu licença e se afastou.
Que horror.
Até hoje me arrependo dessa cabeçada e mais ainda por me compenetrar de que o desconhecimento do vocabulário campeiro, de nossos costumes e outras tipicidades, afeta não só os brasileiros em geral como os próprios rio-grandenses citadinos, que parecem mais à vontade com a linguagem e as idiossincrasias da classe média do Rio de Janeiro, conforme as reproduzem as novelas na televisão.
Atenção: nada contra o Brasil, que é um país amigo.
Esta desarmonia entre gaúchos urbanos e o Rio Grande profundo costuma me lembrar dois antigos episódios que não provam nada e nem ao menos são sérios, mas que posso fazer se é regra me acudirem?
Nos primeiros anos 50 eu era aluno interno em Porto Alegre e no final do ano convidei um colega para passar as férias na fazenda de meu avô materno, em Itaqui. Ele veio de ônibus até um lugar chamado Quatro Bocas, não longe da Vila do Bororé, onde o peão, com a jardineira, foi esperá-lo no costado da cerca. E nada de voltar. Já entardecia quando a jardineira finalmente apareceu, trazendo o visitante e a explicação: andavam à procura da mala. O ônibus passara antes da hora. Não vendo ninguém, o menino pulara o alambrado e se adiantara campo adentro. A mala era pesada e então a abandonara, marcando o lugar: ao lado de uma vaca. Bem, a vaca tinha caminhado, a mala não, e só foram encontrá-la no dia seguinte.
Era só um menino, claro.
Quinze anos depois, eu era Diretor de Secretaria de um órgão judiciário em Uruguaiana, e entreguei ao Oficial de Justiça um mandado para que procedesse a uma penhora em estabelecimento rural do município. Ele o cumpriu, certificando ter penhorado os seguintes bens: uma vaca marrom, deitada, e duas terneiras da mesma cor, uma ao seu redor e outra próxima. Não ficou esclarecido se a segunda e colorida terneira era gêmea, adotada ou só estava de visita.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Uma lembrança para sempre

Coluna de Sergio Faraco publicada hoje no Segundo Caderno, de Zero Hora
No início de dezembro estive na UniRitter para falar a um grupo de 66 idosos em processo de alfabetização, coordenado pela professora Denise Costa Ceroni e monitorado pela professora Elzira Tischer de Lima. O grupo, muito apropriadamente, chama-se "Revivendo a vida". Essa palestra, que concluía o ano letivo, foi a mais longa que jamais ministrei, três horas de duração, e a mais peculiar: ao invés de afetar os ouvintes com minhas palavras, fui por eles afetado.Como se deu essa inversão?
Diria que me emocionei com o anseio que eles têm de aprender, com as perguntas que formulavam, sempre adequadas, concernentes, de coração aberto, não infectado pelas deturpações do intelectualismo, e ainda porque nunca, em palestra alguma, perguntaram-me tanto, e nunca minhas respostas foram ouvidas com tão respeitoso silêncio.
Mas não foi só por isso.
Foi também porque eu falava para pessoas que... olha, preferiria eu ouvi-las, foi por me compenetrar da fibra com que tentavam recobrar as estações perdidas e lograr uma digna inserção social num país que parece desprezar os velhos, e ainda porque essa disposição se me afigurou uma barricada na resistência ao nazifascismo do que é novo — esse novo vicioso que, com seu poder imperial, não se contenta com a imposição natural e necessária de seus atributos, e quer suprimir, como num pogrom, tudo o que o antecedeu. Como se o novo não fosse um produto do que envelheceu, não fosse algo contingente, derivado de outra contingência, como se suas bem-vindas novidades descessem do céu como um deus ex machina para fazer tábula rasa do que antes foi vivido e construído.
Mas ainda não foi só por isso.
Foi pelo meu orgulho de vê-las aptas para avocar papéis sociais que a alfabetização lhes faculta, pelo orgulho delas de poder tomar conhecimento de tudo o que antes lhes era interdito —inclusive os livros e quem sabe até a literatura —, pela capacidade que agora têm de forjar suas próprias opiniões.
E já caía a tarde, na hora do ângelus, quando duas vozes e um violão consumaram nosso encontro.
Dá para esquecer?

quarta-feira, 11 de março de 2009

O forro eterno

Coluna de Sergio Faraco publicada hoje no Segundo Caderno, de Zero Hora
Em nossa sala, o forro de lambris se assenta em grandes barrotes. Sobre o forro, fez-se o ripamento do telhado. Como o prédio foi edificado em 83, já não lembro se a ausência de um isolante térmico entre as telhas e os lambris decorreu de uma distração do engenheiro ou da pindaíba do proprietário. O fato é que o sol da tarde esquentava de tal modo o telhado que a sala se convertia na sauna do Diabo. E ano após ano ia entortando os lambris e abrindo frestas entre eles. Em dia ventoso, a poeira cobria todo o mobiliário. Dirá alguém: o que fez o dono da casa nesses anos todos, que não mandou dar um fim a esse descalabro?
Em primeiro lugar, tenho outras e graves preocupações, entre elas o sentido último da vida e o papel que nele desempenham as metempsicoses e o leite condensado. Em segundo, para substituir os lambris era preciso destelhar e não levo muita fé nos meteorologistas – já imaginou se chove? Em terceiro, sou entendido em serviços domésticos: faço pequenos reparos de alvenaria, sou técnico hidráulico, eletricista, marceneiro, pintor, jardineiro (donde se conclui que só escrevo nas horas vagas), e então bem sei que são cada vez mais raros os profissionais dessas áreas que se destacam pela competência. E por último, ainda que me doa dizer: qualquer dos serviços mencionados eu faço melhor. Não é gabolice. Todo o talento que me falta na literatura tenho de sobra em minhas mãos. Ao constatar um problema caseiro, minha mulher jamais profere aquele insulto que aniquila tantos maridos: “Chama um homem!”
Enfim, o que eu queria dizer é que decidi enfrentar eu mesmo o forro da sala, sem destelhar a casa. Já comecei. Estou fazendo um segundo forro sob o primeiro e colocando entre eles o isolante térmico. Que serviço primoroso! Que fortaleza! Que perfeição! Já o levo pela metade e me demoro porque, a cada tanto, desço da escada, acendo um cigarro e fico admirando a obra-prima. E olha só: trabalho absolutamente sozinho, sem que ninguém me alcance uma ferramenta quando estou a 3m do chão.
Tenho tudo planejado: 30 dias de trabalho, dos quais já cumpri a maior parte. E o que é admirável e até pode parecer misterioso: sem ruído, exceto pela serra, que não uso dentro da peça. Em uma semana o forro estará pronto. Um forro eterno! E que venha o sol com seu hálito febril. Quando eu morrer, o forro me sobreviverá, para testemunhar a paciência, a pertinácia e o vigor de um artista.
Tá bom ou quer mais?