sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sergio Faraco em entrevista para a L&PM

O escritor fala sobre "Lágrimas na chuva", livro de memórias que acaba de sair em pocket. Leia a íntegra da entrevista abaixo, publicada no site da editora.

Em 1963, Sergio Faraco pertencia ao Partido Comunista Brasileiro. No final daquele ano, recebeu um convite para estudar em Moscou. A partir daí, ele embarcou em uma aventura enriquecedora, amarga e perigosa. Depois de uma série de conflitos com chefetes políticos ligados aos partidos brasileiros e soviéticos, Faraco foi internado em regime de reclusão, sob pesada bateria de medicamentos, numa clínica de "reeducação" russa. O relato desse período, que durou pouco mais de um ano (mas que marcaria para sempre o escritor), deu origem ao livro "Lágrimas na chuva". Lançado originalmente em 2002, ele agora chega à Coleção L&PM POCKET.
Sergio Faraco, um dos maiores contistas brasileiros, concedeu uma entrevista à editora sobre este seu livro de memórias que, na nossa opinião, é também uma aula de história. 
Sergio Faraco na Rússia em 1963
L&PM: Você mencionou em outras entrevistas que, anos atrás, sempre que começava a escrever este livro, acabava tendo lembranças não muito agradáveis e parava de escrevê-lo. Depois que ele foi publicado sentiu algo como um certo alívio por finalmente ter conseguido contar essa história?
Sergio Faraco: Ela estava trancada em mim, embaraçando minha ficção e até minha vida, como se aquele período, enquanto não o desvelasse, fosse aos poucos perdendo sua concretude, tornando-se um tempo morto. Uma das dificuldades era retomá-lo sem rancor e outros sentimentos vis. Outra, a lembrança de que os primeiros rascunhos tinham sido usados pelos policiais da Interpol para me interrogar, o que os tornava pouco menos do que execráveis. Mas escrever a história, publicando-a, significou um lenitivo dir-se-ia parcial: faltou narrar o que aconteceu após meu retorno ao Brasil e isto, por motivos vários, até hoje não consegui e acho que não conseguirei.
L&PM: Alguma lembrança do tempo em que esteve na URSS estava adormecida e só veio à luz quando você estava escrevendo?
SF: Sim, mas não me recordo se, no contexto, eram episódios necessários ou contingentes. Certas lembranças, contudo, passaram a ser melhor interpretadas, concorrendo para que as personagens se tornassem mais íntegras. Em 2004, chegou às minhas mãos uma pasta com 50 páginas das primeiras versões da história, escritas provavelmente em 1965. Eu ainda estava doente, sob os efeitos dos medicamentos que me ministravam no Kremlovski Bolnitso [Hospital do Kremlin], e não compreendia plenamente o que acontecera nem o papel das pessoas que, em Moscou, tinham participado da minha vida. O livro colocou todas as coisas em seus devidos lugares.
L&PM: Você cita "Blade Runner" na introdução do livro e uma das passagens do filme de Ridley Scott serviu de inspiração para seu título "Lágrimas na chuva". Você teve este insight (de que todos estes momentos se perderão como lágrimas na chuva) quando assistiu ao filme pela primeira vez ou essa relação surgiu depois?
SF: A fala do andróide, despedindo-se de sua pequena e intensa existência, comoveu-me profundamente. Nos anos 90, revi inúmeras vezes esse belíssimo filme e passei a me perguntar se tinha o direito de permitir que minhas lembranças se dissipassem como as dele, já que me pareciam dignas de compartilhamento. Entendi que não tinha tal direito e esta resposta me ajudou a contornar as velhas dificuldades. Eu já fizera antes uma pergunta semelhante, quando uma editora uruguaia me pediu as cartas que troquei com Mario Arregui. Essa correspondência foi publicada no Uruguai no início dos anos 90, e recentemente no Brasil.
L&PM: O livro é muito emocionante e todas as pessoas que o lêem costumam dizer que é cinematográfico. Você concorda com isso? Por quê? Alguém já pensou em filmá-lo?
SF: Se as pessoas dizem isso, que é cinematográfico, imagino que o seja, mas não sei ao certo, pouco entendo de cinema. Um cineasta falou comigo na época do lançamento, em 2002, mas não fui muito receptivo. Seria um filme caro, em algum momento a equipe teria de se deslocar para Moscou, e além disso não sei se gostaria de ver a minha história contada por outra pessoa e, por certo, de outra perspectiva. Meus contos, no entanto, têm sido filmados, e nesse caso o resultado não me importa muito, o diretor está fazendo sua ficção sobre outra ficção. O melhor curta-metragem que eu vi, baseado nos contos, foi "Um aceno na garoa", de Mário Nascimento.
L&PM: Depois do livro ser publicado, algumas pessoas o procuraram para contar histórias parecidas? Como foi o retorno do público?
SF: Não, ninguém me procurou, e também não sei se estaria disposto a ouvir histórias semelhantes. Escrever esse livro foi para mim um longo e doloroso processo, e no momento em que ele veio à luz perdi um pouco o interesse por ele. Teve boa repercussão na imprensa brasileira, tirou quatro ou cinco edições convencionais, e eventualmente eu era convidado para falar sobre o assunto. Fiz isso algumas vezes, mas depois não aceitei mais convites. Não podia continuar olhando para trás e também nada tinha a acrescentar ao que escrevera. Não revisei a edição de bolso, que acaba de sair, o que significa que não mudei sequer uma vírgula.
L&PM: Ao escrever o livro, ficou com vontade de saber o que aconteceu com algumas pessoas que nunca mais encontrou?
SF: Era natural que me perguntasse o que acontecera com pessoas que, naquele período, foram importantes para mim, mas nunca me ocorreu procurá-las depois. Não era o caso e penso que não havia necessidade. Como escrevi no final do livro, elas fazem parte de mim, sou um pouco o que elas foram e para sempre vou levá-las comigo. Tive contato, no entanto, com um companheiro que, por vários meses, dividiu o quarto comigo no alojamento do instituto, em Moscou. Ele se chama Luiz Martins e mora no Rio Grande do Norte, em Natal. Era meu amigo na Rússia e continua meu amigo aqui, de vez em quando nos escrevemos.
L&PM: Qual foi seu personagem preferido e por quê?
SF: Como disse, muitas pessoas foram importantes e pude descrevê-las com fidelidade, ou ao menos com o que entendo por fidelidade. O dominicano Jaime, por exemplo, se não o encontrasse naquele medonho hospital, dificilmente estaria aqui a responder essas perguntas. A menina russa que me acompanhou na maior parte daquele ano também teve um grande papel, preservado no livro: acho que fui feliz na composição de seus traços. E assim as demais, cada uma em seu momento, isto é, não foram personagens simultâneas, mas sucessivas. Estiveram ao meu redor, mas, curiosamente, nenhuma delas conheceu as outras.
L&PM: Na sua opinião, "Lágrimas na chuva" poderia ser considerado, além de um livro de memória, um romance histórico?
SF: Acho que não, é só uma memória, o romance histórico terá atributos que meu livro não tem. De resto, no romance o autor dispõe de uma relativa liberdade para criar, ao passo que, na memória, a ficção não tem ou não deveria ter lugar. Enquanto escrevia, sempre me ative aos fatos e ao modo como os interpretava o homem que eu era, nunca recorri à imaginação. Enfim, memória ou romance histórico, tanto faz. Acho que escrevi um bom livro, isto sim, o melhor que era capaz de fazer, no limite de minhas circunstâncias, e como ensina a Rosalinda de Shakespeare, em "Como gostais", um bom vinho não precisa de rótulo.
L&PM: Não voltou à URSS depois? Quando? Se voltou, qual a sensação?
SF: Não voltei, nunca quis voltar e não voltarei. O que estaria buscando, se voltasse? O passado? Sim, porque a Rússia de hoje nada tem a ensinar para quem espera algo do futuro. De outra parte, qual passado? As pessoas que amei e me amaram tomaram outros rumos, com os quais nada tenho a ver. O que importa é o que já disse: se quero encontrá-las, encontro-as olhando para dentro de mim mesmo. Quando fui para Moscou, eu era um jovem de 22 anos. Quando voltei em 65, com 24 anos, eu era outro, aquilo que a garota russa, meu amigo Jaime, a enfermeirinha do Kremlovski Bolnitso e os poucos amigos que tive em Moscou fizeram de mim.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Pocket do grande livro de Faraco, já nas livrarias

O cultuado livro de Sergio Faraco, "Lágrimas na chuva", na versão pocket, já está nas livrarias.








Leia mais sobre este lançamento da L&PM no site da editora e no blog Mundo Livro, do jornalista Carlos André Moreira.