sábado, 30 de maio de 2009

Conto de Faraco em coletânea dos anos de chumbo

Nem Sempre foi Assim - Contos dos Anos de Chumbo.
(Florianópolis: Garapuvu, 2007. 88 páginas).
Com a participação dos escritores. Amilcar Neves, Cristovam Buarque, Emanuel Medeiros Vieira, Francisco José Pereira, Mario Prata, Olsen Jr., Sérgio da Costa Ramos, Sergio Faraco, Silveira de Souza e Urda Alice Klueger. O livro reúne, em forma de ficção literária, textos sobre os horrores cometidos nos longos anos de ditadura militar instalada em 1º de abril de 1964 e só interrompida em 1985.


Matéria publicada hoje no Diário Catarinense sobre o livro:
Nem sempre foi assim
Coletânea organizada por Francisco Pereira traz para a ficção as experiências de 10 escritores no pós-1964
Nos tempos daquele slogan: “Brasil: ame-o ou deixe-o”, muitos foram os brasileiros, intelectuais, sobretudo, que preferiam deixá-lo, porque não era mais um Brasil amável. Foram tempos de uma ciranda diversa. Décadas de 1960 e inícios de 1970. O arbítrio do AI-5. (...)
Um dos refugiados no exterior, por muitos anos, foi Francisco José Pereira, que organizou estes Contos dos Anos de Chumbo, sob o apropriado título Nem Sempre Foi Assim. (...) Testemunhas do seu tempo, de opressões e horrores, resgatam para leitores mais jovens algumas das arbitrariedades da ditadura militar, traços para “estudo e aprofundamento dos fatos que marcaram aquele instante crucial da História brasileira”, nas palavras do prefaciador Roberto Freire. (...)
Boleros de Júlia Bio, por Sérgio Faraco, constitui relato pleno de nostalgia, melancólico e lento como o bolero. O narrador, distante mas não esquecido de Helena, relembra o tempo do hotel em Caxias, o projeto de um chalezinho em Belém Novo, com petúnias... porém, de repente, desaba o presente que tudo sufoca: a polícia irrompe na clandestinidade, fazendo com que se realizem as palavras da canção de Júlia Bioy. Tanto o ótimo diálogo quanto o fluxo interior prendem o leitor até o final. (...)
Mesmo durante os “anos de chumbo”, artistas, músicos, escritores brasileiros não diminuíram sua voz, bastando lembrar o Cinema Novo, o Teatro de Arena, os Centros Populares de Cultura, um Chico Buarque, um Erico Verissimo. Todo desafio é instigante. Em Santa Catarina, lembrem-se de Holdemar Menezes (A Maçã Triangular), Salim Miguel (Primeiro de Abril: Narrativas da Cadeia ou A Voz Submersa), Roberto Gomes (Alegres Memórias de um Cadáver) Edla van Steen (Memórias do Medo), Emanuel Medeiros Vieira (A Revolução dos Ricos), escrevendo ainda no calor da hora. Mesmo 40 anos após a “gloriosa”, as marcas não cicatrizaram, e este volume Nem Sempre Foi Assim pode bem lembrar às gerações mais jovens que “nem sempre foi assim” como os tempos de hoje e “nem sempre foi assim” como nos Anos de Chumbo das décadas de 1960-1970.
POR LAURO JUNKES Presidente da Academia Catarinense de Letras.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Faraco na Tribuna de Petrópolis

O caderno "Lazer" do jornal Tribuna de Petrópolis de hoje traz crítica de Fernando Py sobre dois lançamentos de Faraco pela L&PM em 2008: O pão e a esfinge seguido de Quintana e eu e Noite de matar um homem.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Faraco na antologia "Os melhores contos brasileiros de todos os tempos"

Em breve chega às livrarias uma nova antologia de Flávio Moreira da Costa: Os melhores contos brasileiros de todos os tempos. O livro tem diversas seções e em "Contos contemporâneos" está Sergio Faraco com "Guerras greco-pérsicas".
Faraco, que nasceu em 1940, é o autor mais jovem da lista dos contemporâneos e aparece ao lado de José Cândido de Carvalho (1914), Murilo Rubião (1916), Clarice Lispector (1920), Lygia Fagundes Telles (1923), Dalton Trevisan (1925), Autran Dourado (1926), Guimarães Rosa (1908), Rubem Fonseca (1925), Victor Giudice (1934) e Moacyr Scliar (1937).
Na nota do antologista Flávio Moreira da Costa a respeito de Sergio Faraco, neste novo livro, ele registra que outros contos de Faraco já foram incluídos em antologias que organizou, e anuncia mais um: "Dançar tango em Porto Alegre", que estará em Os melhores contos de amor e desamor, com lançamento previsto para o final deste ano.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Sem batismo: o limbo

Coluna de Sergio Faraco publicada hoje no Segundo Caderno, de Zero Hora
Em 2007, ao agradecer à RBS e ao Banrisul o Prêmio Fato Literário que me foi concedido, mencionei que, se minha ficção viajara para longe, ao ponto de ser lida no alfabeto cirílico (mais longe do que merecia), a passagem de ida eu creditava ao prestígio da L&PM, aos meus editores Ivan Pinheiro Machado e Paulo de Almeida Lima, e aos seus funcionários. Não era o caso de arrolar todas as minhas dívidas, mas, se o fosse, teria dito também que aprendi a escrever no Caderno de Sábado do Correio do Povo, editado por P. F. Gastal, e no Suplemento Literário Minas Gerais, fundado por Murilo Rubião: compartilhar o texto impresso com pessoas desconhecidas refinava meu senso crítico.
Esta lembrança não é um reparo tardio. Ao eleger o tema da coluna, eu refletia sobre os jovens escritores de hoje aqui no Sul: no futuro, dificilmente eles poderão citar, como citei, órgãos da imprensa que os ajudaram a crescer.
Em minhas palestras, se tenho como ouvintes pessoas que almejam dedicar-se à literatura, especialmente na ficção, sempre recomendo que publiquem em jornais e deixem o livro para mais tarde, quando puderem errar menos. É um conselho inoperante: se já não há cadernos literários em nossos jornais, e nos que se assemelham a ficção e poesia são descartadas, onde os jovens vão publicar? Segundo me disseram, é a linha que segue a grande imprensa em todo o mundo. Que seja. No entanto, ainda pergunto: onde os jovens vão publicar?
Tanto quanto sei, recorrem a blogs que, por regra, raramente são lidos, e frequentam oficinas, onde trocam impressões com os colegas e o mestre, mas para apurar a faculdade de ler um texto como se a outrem pertencesse, nada, nem blog nem oficina, nada substitui o jornal e seus proveitos. E a gurizada que tem talento, para evadir-se do limbo, publica livro antes do tempo. É a crisma antes do batismo.
Mas, olha só, eis uma notícia boa.
Para irmanar-se ao Rascunho, de Curitiba, onde há espaço para todos os gêneros literários, renova-se em Belo Horizonte o velho Suplemento Literário Minas Gerais, sob os auspícios da Secretaria Estadual de Cultura, após um percurso em que capengou mais do que andou. Quem agora o dirige é um dos remanescentes de sua fundação, o escritor Jaime Prado Gouvêa (leia o notável Fichas de Vitrola), e seu nome é uma garantia de que o suplemento há de reviver as gloriosas estações da era Rubião.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

O bote do homem-cobra

Coluna de Sergio Faraco, publicada hoje no Segundo Caderno, de Zero Hora

Aquele Plínio Pinto, balconista da farmácia, era um caso radical de dupla personalidade.
Funcionário zeloso e entendido em medicamentos, cujas bulas conhecia tanto quanto o farmacêutico, também era sacristão e noivo perpétuo de Lucimery, servente do Colégio Divino Coração. Receitava para os necessitados, aplicava injeções, entregava remédio em casa e, na igreja, puxava o terço das vésperas pela saúde dos enfermos. Em Alegrete, gozava de maior estima do que o padre e o farmacêutico.
À noite, transformava-se, e o povo ordeiro fugia dele. Vestia uma capa negra, blusa vermelha com uma naja no peito, culote militar verde-oliva e botas de camurça baia, e se identificava como o Homem-Cobra. Percorria as alamedas da praça à cata de elementos suspeitos e fazia o périplo dos bordéis, onde era recebido com júbilo pelos boêmios e incitado a narrar suas proezas, que todos fingiam ouvir com espanto e admiração. Não era raro comparecer à farmácia, na manhã seguinte, com hematomas no rosto, sinal de que provocara alguém que não estava com ânimo teatral.
Até então, suas façanhas tinham sido fruto da imaginação, e foi numa noite engalanada do Clube Cassino que fez a tentativa de torná-las reais. Festejava-se, no salão do segundo piso, o aniversário do filho do dr. Paulino. O aniversariante apagou as velinhas e foi levado embora, tinha apenas cinco anos. A comemoração era um pretexto: o doutor, candidato a prefeito, buscava adesões à sua campanha.
Do programa da noite constava a entrega de medalhas a personalidades merecedoras do reconhecimento público: o médico, o provedor do Hospital de Caridade, um ex-prefeito e correligionário, o antigo jardineiro da praça e, por certo, o benemérito Plínio Pinto. Mas o balconista da farmácia, surpreendendo a todos, não estava presente.
Depois do jantar, no momento em que alguém fazia tilintar uma garrafa – dr. Paulino, num improviso, ia saudar os convivas e dar início às homenagens –, Lucimery entrou correndo no salão, a gritar que seu noivo estava agachado no muro do terraço, em vias de dar um bote no vazio. Sobreveio um átimo de assombro e logo o burburinho, a correria. E o Homem-Cobra, empolgado com o frisson que causava, não ouviu os apelos da amada e lançou-se do terraço para a glória, em pé.
Quebrou as duas pernas e o calcanhar.
Dr. Paulino perdeu a eleição por 17 votos. Em entrevista à ZYE-9, portou-se à altura, enaltecendo o jogo democrático e cumprimentando o prefeito eleito, mas à noite, no clube, tomou um pileque. Esmurrava a mesa, atribuindo a derrota ao fiasco do Homem-Cobra, e clamava à desconsolada claque: “Foi cobra mandada! Foi cobra mandada!” .